20111219

"A cidade está deserta
e alguém escreveu o teu nome em toda a parte
nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas
em todo lado, essa palavra repetida ao expoente da loucura
ora amarga ora doce para nos lembrar
que o amor é uma doença quando nele julgamos ver a nossa cura."

20111201

A fruta podia ter nascido dos meus sonhos.

A fruta cai no chão podre
e eu percebo que os sonhos que eu tinha eram melhores que aquele chão.
E que a fruta podia ter caído nos meus sonhos,
e tinha garantido que não ia ser cuspida,
nem mal dita,
por alguém a trincar, e quase vomitar.
A fruta podia ter caído nos meus sonhos,
e não acabava espremida até ao fim,
esgotada.
A fruta podia ter caído nos meus sonhos
e não acabava assassina,
a matar a sede.

l.3

A minha náusea contínua,
o meu enjoo de mim,
aqui deitada,
o meu enjoo de mim,
a tentar segurar a água nas mãos.

O meu enjoo que já sou eu, sem mim.

Encenei-te um adeus, sem mão.

Nunca me despi daquilo que tenho para dizer,
deu-se o não dito por dito.
Eu nem te ouvi o adeus,
e tu já ias a descer a rua,
depois de me roubares a mão.

20111125

Caminham curvados,
como se carregassem a cada passo que dão,
excertos do que algum dia foram
ou nem chegaram a ser.

20111120

Wolfmother

Quando as recordações já não cabem na parede, nem as palavras na boca. Quando o sangue já não chega às mãos, e o único grito que se ouve é o do tempo que urge, não tão rápido quanto queríamos.Quando é isto tudo,e continua a ser a mesma música que me inspira. 
Porque a luz que víamos está coberta por um pano, e o palco que ele esconde, sendo ou não, as nossas vidas, parece melhor que o subúrbio do camarim. 
Que esse pano caia.
Que a luz trespasse.
Que corra o sangue.

20111113

«Because maybe
You're gonna be the one that saves me
And after all
You're my wonderwall»

20111107

Fácil

Tens-me aqui,
pronta a ser dissolvida.
Tomei-te o sabor,
tiraste-me  a cor.
E assim, vivemos os dois sem amor.

20111026

O aqui e o agora que se lixem,
sou feita de ontem, e serei o amanhã.
Não sou nada agora,
porque agora,
apenas me crio.
Fazer a reconciliação
entre as expectativas e a realidade.
Não pensar nisso em absoluto.
Curar o sabor a amargo com boa música,
e aceitar, ironicamente que isto é assim.
É MAIS FÁCIL DESCOBRIR O QUE NÃO SOMOS.

20111020

Coço as mãos quentes, onde o sangue ferve, porque é com as mãos que se faz justiça.
Os corações nunca perceberam nada de direitos e afazeres. Esses, só funcionam ao lume.
Quando chove, a lenha não arde e o coração como não aquece, não tem outro remédio, senão ficar frio.
Aí , as mãos que decidam: ou tocam, a lenha arde e o coração aquece. Ou despedem, os olhos choram, molham a lenha e, o coração, por não suar, gela.

20111005

Camera Obscura

win(e)


Sem um único movimento, despedes-te dos tempos de derrota
que calejaram os dados com que jogas.
Entregas agora o que arriscaste à ironia do perder ou ganhar.
Regas-te com o vinho que sobeja no copo, "ganhei".
Ficas ébrio de vitória.

20111003

Nina.

É o Silêncio de quem é velho,
São calados pelo tempo que já é tanto
Procuram no silêncio que já nem ouvem,
A mínima palavra que bata e que recue,
Como eco.
Histórias que ninguém sabe se serão deles,
Histórias que ninguém sabe sem eles.
Tanto que se perde, que fica suspenso naquele silêncio.
É o Silêncio de quem é velho.
De quem já não se importa se o ouvem,
Silêncio que já não sabe que o é.
São velhos,
Calados pelo silêncio,
Que já bate e não recua.
Tão calados, que parecem nem sentir.

20110930

Resignação

Se eu fosse alguém melhor,
se eu fosse alguém,
alguém a quem o amor não deixou mau cheiro,
eu abriria a porta para cantar
os dias que eu inventei
no tempo em que faço de conta que sou.

20110929

Impermeabilidade.

O tom de brincadeira com que vives a vida,
sem gravidade ou emergência,
lembra-me o crocante esmagar
das folhas secas que cobrem o chão das misérias do verão.

É para ti que cospem, mas tu,
oh tu és impermeável !

20110924

l.1

Junto à tua consciência,
onde eu gosto de estar,
sou mais de mil,
e tu,
ainda me inventas.
Na incapacidade lógica de decidir o que quer que seja, fala-se à religião
e já dormem os homens sossegados.
A verdade é que a mulher chora pelo leite derramado
porque os filhos não comem,
nem o homem reza.

A mulher nunca dorme. 

20110921

Supremacia.

Hoje a lenha conheceu o fogo e não ardeu,
foi o vinho que provou a boca
e a água fria é que me aqueceu.

20110920

«(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).!»

20110917

é fácil de entender que da minha rua eu não vejo a tua, e se não estou nua à janela, é porque sei que tu não tens binóculos.

20110823

Que a tua alma seja contingente eu não aceito.
Apertem-me o espartilho,
desfaçam-me os torrões de açúcar,
sequem-me até as flores,
mas não me tragam dúvidas ao peito,
muito menos à boca.

20110819

Two senses

"Someone says: “Form? Nonsense!
When shit is poured into crystal,
Does the glass become less pure?”

Another objects: “Fool!
If the best wine is poured into a chamber pot
It won’t make people more likely to drink it.”

The dispute can’t be resolved. . . Such a pity!
Indeed, it is possible to pour shit into crystal."

20110817

Cordas.


Algumas matam, outras dão música.







Anda naufraga, na via de circulação aérea.
Enquanto disfarça fazer lógica,
vai gozando do seu passo pendular,
que só usa ao domingo,
e assim, sempre apanha mais uns olhos. 

De certeza que foste tu que fizeste o mundo.
Eu faço-o, na veia de circulação interna.
 

20110812

20110806

                                                                           Dalí

20110805

O suor pode escorrer tanto como as lágrimas.

Trevos.

Boa Sorte.
Dou-te sorte para fazeres ouro do pó que te enche a casa. Limpa-te desse teu ar de quem não deve dinheiro ao acaso, limpa também o teu nome manchado por teres subornado a coicidência.
E é no teu riso escondido que eu procuro a ponta solta da piada da tua vida.
Finges-te capaz de lavar os dentes ao mundo e tirar-lhe o sorriso amarelo, e no fundo, apenas não abriste a porta ao azar.

Glória.

O peito enche-se, mais de orgulho que de ar.
A sensação é que me elevo ao patamar superior e passo até ao próximo nível.
É lá que me aspiro e inspiro e sinto-me capaz de abraçar o mundo.
Adio a vida para ser vivida depois. Agora saboreio-me a mim.
Glória a vós, agora e sempre.

20110727

Desconforto.

Os pássaros voam desordenados no ar fresco das nove da noite. O que eu espero não tem motivo de ser esperado, mas aceito o tempo que passo sozinha, fazendo do tempo, companhia.
Aceito até o frio que me arrepia e me estica os pêlos dos braços. Aconchego-me, quase como ritual da minha solidão. Acostumei-me ao cansaço de não acompanhar o passo do vento e vou ficando aqui, presa ao chão. Fecho os olhos docemente, e sinto a estalada dura e baça do tempo que vai passando. Não assisto à dor. Estou dormente, no limbo entre o que é bom e mau, e o único som que me chega aos ouvidos é o da despedida.
Eu viajo em contraluz,
bem depressa,
numa estrada côncava.
É lá que me enamoro com o impossível,
e vou engordando a minha alma de dúvidas que não lembram a ninguém.

20110721

Às de copas.

Eu hoje uso o chão para me servir e, a  rastejar,
chego-te aos pés magros,
que cheiro sem pudor,
à procura da minha ideia que tu pisaste.
Estou suficientemente sã para querer esquecer as palavras que cuspi para o chão que tu agora pisas.
Agora prefiro que as esmagues, que as destruas, que as envies para bem longe, se for para a China, não me importo.
Por pena, palavra batida, não é recolhida.

Tal como deve ser .

Por enquanto as palavras são transformadas em veludo,
amaciadas ao toque, e assim aquecem os pés frios.

Estas botas foram feitas para andar.

René Magritte

20110713

No sopro se decidem as famílias.

Começa ligeiro, prazeroso e pouco compromissivo, o sopro dos que se sentam à lareira. Selam promessas de regalo duradouro com beijos pouco tocados. E assim se constroem famílias: no derreter da cêra que insiste em fossilizar o pó da estante. São criados homens e mulheres ubíquos. Homens e mulheres de cama e de mesa de jantar. Homens e mulheres que fazem cócegas aos meninos como recurso último de quem não sabe hístórias para adormecer.
Com um sopro se apagam as velas e é com uma história que se decide a família.

Revolution.

Pensava eu que era aquela mão que me ia ser dada. Cruzar-se-iam os nódulos dos dedos como quem mistura água com álcool. Ficaríamos suspensos na transcendência do momento. Refinariam-se os sentidos, num embófio orgulho de quem não calou o reprimido. Sonhar-se-iam capítulos de vida em seguimento de um abraço profundo; e, num ímpeto oxigenado de quem faz luz ao cérebro, armar-se-iam os braços ao trabalho.

Are you calling me?

"Everybody plays the game
And if you don't, you're called insane."

20110712

De ph 2.

Os teus olhos são ácido.

Não se fala de boca cheia.

No verão enche-se a boca de melão e deixa-se escorrer o sumo pelos cantos da boca.
No verão, os pés suados escorregam nas sandálias e desce-se a rua estreita a medo. No Verão há mais tesão e lambem-se mais os cantos das bocas com sumo de melão.
Esfrega-se a barriga à luz do dia e faz-se da preguiça, situação.

Adiante! Como o elefante.

Prefiro água fria e corações quentes.
Voos em queda livre e o amor que a mãe tem aos filhos, que é como resina nas mãos. Mais vale esvair-se em pecados que ficam mal aos olhos, que ficar sentado a ver quem viveu.
O baloiço parece-me demasiado rápido para que eu me pendure nele, porque o meu coração também é de vidro e a gravidade não perdoa.
A terra sempre será dura. A terra sempre será o limite para os que caiem como se voassem.
Dilato as narinas para sugar o ar que lava as plantas, e mesmo assim, não dou flor.