20110727

Desconforto.

Os pássaros voam desordenados no ar fresco das nove da noite. O que eu espero não tem motivo de ser esperado, mas aceito o tempo que passo sozinha, fazendo do tempo, companhia.
Aceito até o frio que me arrepia e me estica os pêlos dos braços. Aconchego-me, quase como ritual da minha solidão. Acostumei-me ao cansaço de não acompanhar o passo do vento e vou ficando aqui, presa ao chão. Fecho os olhos docemente, e sinto a estalada dura e baça do tempo que vai passando. Não assisto à dor. Estou dormente, no limbo entre o que é bom e mau, e o único som que me chega aos ouvidos é o da despedida.
Eu viajo em contraluz,
bem depressa,
numa estrada côncava.
É lá que me enamoro com o impossível,
e vou engordando a minha alma de dúvidas que não lembram a ninguém.

20110721

Às de copas.

Eu hoje uso o chão para me servir e, a  rastejar,
chego-te aos pés magros,
que cheiro sem pudor,
à procura da minha ideia que tu pisaste.
Estou suficientemente sã para querer esquecer as palavras que cuspi para o chão que tu agora pisas.
Agora prefiro que as esmagues, que as destruas, que as envies para bem longe, se for para a China, não me importo.
Por pena, palavra batida, não é recolhida.

Tal como deve ser .

Por enquanto as palavras são transformadas em veludo,
amaciadas ao toque, e assim aquecem os pés frios.

Estas botas foram feitas para andar.

René Magritte

20110713

No sopro se decidem as famílias.

Começa ligeiro, prazeroso e pouco compromissivo, o sopro dos que se sentam à lareira. Selam promessas de regalo duradouro com beijos pouco tocados. E assim se constroem famílias: no derreter da cêra que insiste em fossilizar o pó da estante. São criados homens e mulheres ubíquos. Homens e mulheres de cama e de mesa de jantar. Homens e mulheres que fazem cócegas aos meninos como recurso último de quem não sabe hístórias para adormecer.
Com um sopro se apagam as velas e é com uma história que se decide a família.

Revolution.

Pensava eu que era aquela mão que me ia ser dada. Cruzar-se-iam os nódulos dos dedos como quem mistura água com álcool. Ficaríamos suspensos na transcendência do momento. Refinariam-se os sentidos, num embófio orgulho de quem não calou o reprimido. Sonhar-se-iam capítulos de vida em seguimento de um abraço profundo; e, num ímpeto oxigenado de quem faz luz ao cérebro, armar-se-iam os braços ao trabalho.

Are you calling me?

"Everybody plays the game
And if you don't, you're called insane."

20110712

De ph 2.

Os teus olhos são ácido.

Não se fala de boca cheia.

No verão enche-se a boca de melão e deixa-se escorrer o sumo pelos cantos da boca.
No verão, os pés suados escorregam nas sandálias e desce-se a rua estreita a medo. No Verão há mais tesão e lambem-se mais os cantos das bocas com sumo de melão.
Esfrega-se a barriga à luz do dia e faz-se da preguiça, situação.

Adiante! Como o elefante.

Prefiro água fria e corações quentes.
Voos em queda livre e o amor que a mãe tem aos filhos, que é como resina nas mãos. Mais vale esvair-se em pecados que ficam mal aos olhos, que ficar sentado a ver quem viveu.
O baloiço parece-me demasiado rápido para que eu me pendure nele, porque o meu coração também é de vidro e a gravidade não perdoa.
A terra sempre será dura. A terra sempre será o limite para os que caiem como se voassem.
Dilato as narinas para sugar o ar que lava as plantas, e mesmo assim, não dou flor.