20121128

Solidez vem de solidão.

Pertencer a lado nenhum
dá-te a liberdade
de ser mais que um.
Ter diferentes casas,
diferentes caras,
trocar o norte pelo sul
sem ninguém se aperceber
que tu estás só,
a tentar pertencer.

20121102



A minha ferida está mais aberta que a tua,
vai ficar para sempre.
Eu não esqueço que guardaste o meu tempo
para eu depois usar,
para eu depois gastar,
todo o tempo,
a curar.

20120831

Efervescência.

Corro livre em direcção ao mar,
Trago a morte no pé esquerdo.
Renasço no pé direito.

A areia enterra-me os olhos,
e eu fico morta,
despojada na espuma que me cobre.
Desfaço-me em ondas. 

Ouço o teu nome no fim do mar
e rebento.


Sou vaga.

20120802

Julguei-te a imortalidade
escondida,
por detrás dessa tua pele velha,
dessas tuas mãos,
já ásperas de tanto agarrar a vida.

E o teu cheiro,
que é o mesmo cheiro
de quando a chuva bate na terra,
traz-me a infância de volta.

E o teu colo,
lembra-me o calor das três da tarde,
e as sestas de verão,
em que eu e tu fingíamos dormir,
e era ali,
debaixo do sol,
que sonhavas.

Ensina-me a ser contínua,
a não fazer pausas no amor que tenho à vida;
a acreditar na água da fonte.

Avó,
ensina-me a não ver poesia.









20120718

mea culpa.

Sentada na cama
de mãos guardadas e lábios fechados
tentei saber o que fiz.

Já não me trazem uvas à boca.

Bem-vindo a casa.

Talvez a cor que os teus olhos vêem
não seja mais que a água turva que eu te atiro à cara
cada vez que respiro
cada vez que transpiro
cada vez que vivo
é essa água que te entope a alma.

A falta de lucidez dos teus olhos
não é nada mais 
que a tua consciência perdida.

Mas eu,
eu estou aqui para te lembrar
que há caminho para casa
que lá, toca uma música que conheces,
uma reza que te acolhe,
e uns olhos para poderes roubar.

Bem-vindo.



20120704

Noticías do outro mundo.

é bom ter o teu gosto
e era tão bom ser a teu gosto.

eu sou como o sol posto
e se um dia voltar a nascer
trarei notícias de outro mundo.

20120616

A sesta

    Almada Negreiros

medida nº1.

passo e trespasso
e assim perco
o rumo
e a fita métrica
mede-me a vida.

espera-me o assobio
de quem eu nunca  fiz feliz
eu sei
eu estive lá,
quase lá.
e por não saber
que a vida
é a própria medida
a fita não chegou
aos hectares que precisava.

Amor à primavera vista
espera-me a eternidade desmedida,

o meu limite tende para menos infinito.




20120604

Alquimia

Enquanto eu dispo
e desisto desmedidamente,
enquanto eu permaneço,
 e nem sei onde estou
o meu coração é alquimista
e faz de ti o sangue que me dá cor

o meu coração é radicalista
e não quer falar de amor. 


20120528


Bem-vindo ao meu mundo, comandei as tropas, agora entra, senta-te e desliga a luz.

Os homens e os sacos.


Comigo não tenho mais do que o que trago na minha cabeça. Do inútil ao indispensável, do preciso ao completamente descabido, do sem sentido ao salva-vidas. Trago tudo quanto cabe e ainda há, e sempre haverá, espaço para mais. Trago também um monte de balelas para ir dizendo, umas quantas associações que ouvi dizer fazerem sentido, mesmo não as sentindo. Os meus sorrisos programados, os meus choros estipulados. E agora sou um monstro da mecânica. E não sou assim tão diferente de ti. Trago também um jeito de andar, que os meus pais se orgulham de me ter dado, uma respiração pesada que faz com que não tenha alguém que durma comigo. Só por isso. Umas mãos frias, e dizem que tenho o coração quente, e eu acredito, porque quente é bom, e eu quero ter um coração bom. Tenho umas quantas músicas a ecoar na cabeça e que me salvam das introspeções durante o banho da manhã. A água quente aquece-me as mãos e aí já não consigo esconder o meu coração frio. Este sou eu, a sentir-me mais sozinho do que nunca e tenho tantas mãos para dar. Mãos fechadas em punho, prontas a lutar contra algo que não seja elas próprias. Uma mão lava a outra. Uma mão ataca a outra, e estas guerras raramente têm fim, pelo menos dentro de mim. Eu contra mim, e o meu coração frio a rir-se, outro tipo de guerra fria. Mas isto são só mais devaneios, e o meu contra-ataque tem falta de homem.  Não me deixo morrer, mas claro, como todos os que voltam da guerra, o corpo nunca é o mesmo.

You took your life as lover's often do

But I could have told you,
Vincent,
This world was never meant for one as beautiful as you

20120414

o fim Infinitamente


Conversas infinitas sobre o infinito e sobre quando será o fim, se é possível um fim sem um início. Conversas sobre o desaparecimento dos homens e o amor das mães. Conversas sobre o que de nós julgamos infinito. Nós sob o infinito. Nós a dormir no infinito. Conversas que não terão fim, porque não há fim. Nada é fim sem início.
Estas conversas farão de nós loucos.

 Loucos pelo fim,
 loucos infinitamente um pelo outro.

20120402

Por alguma razão, aquela que ali passa, já gorda de não ter amor que lhe chupe os ossos, exibe-se no mercado da lógica e vende racionalidade ao quilo.
Faz bem para a saúde, dá orgulho aos pais e  faz perceber que, para o tempo passar, é preciso que ele exista. Só há tempo quando há amor. Não há tarde nem cedo quando não se espera um corpo de volta ao nosso.Os tempos, tal como as pessoas, nunca mudam. Vão e voltam. A camuflagem vai dando um jeito aqui e ali, o apodrecimento também, e assim, as horas deixam de existir. Por alguma razão, a gorda nunca saberá quem tinha razão, ou quem amava.

20120324

Entropia


Trouxemos o que o tempo nos deu
E nunca foi a nossa intenção perder essa bagagem.
Descarrilámos e não nos apercebemos.
O sentido saiu, antes mesmo de fechares a porta.
E não se abriram mais janelas, nem mais olhos,
Nem se juntaram mais as palavras,
Nem se prometeram mais sempres,
Nem se desejaram mais nuncas.
Ficaremos podres, surdos de ouvir passar o tempo,
Sozinhos, se for preciso.
Entropia.
Entorpecidos pela entropia.